quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Morro não tem vez. Nem culpa.

Cento e trinta e três mortos até a noite de quarta-feira (7). Quase seis mil toneladas de detritos. Mais de onze mil desabrigados. Ruas tomadas pela lama e lixo. Estradas interditadas por crateras, deslizamentos, árvores arrancadas. Áreas isoladas sem acesso terrestre, sem luz, sem água. O retrato da tragédia no estado do Rio após o temporal de mais de 30 horas. Um cenário de devastação e dor que, infelizmente, poderia ter sido evitado. Não agora, mas desde muitos anos atrás.

Há mais de 400 anos a cidade do Rio cresce espremida entre o mar e as montanhas. Portanto, uma geografia linda e difícil que não pode ser responsabilizada pelas gravíssimas consequências de um temporal atípico, sim, mas em grande parte previsível. O noticiário de toda a mídia não cansou de relembrar as grandes enchentes de 66, de 88, de 94, do início deste ano em Angra dos Reis e Ilha Grande. Por que então a destruição continua enorme com tantos desabrigados e mortos? Há uma resposta óbvia – por negligência dos governantes. Mas, para além do óbvio há que se dizer que falta, sobretudo, uma consciência da sociedade de que é preciso o empenho e a responsabilidade de todos.

As maiores vítimas das grandes tragédias continuam sendo os mais pobres. Porque moram nos locais mais perigosos, mais distantes, com menos infraestrutura, com pouco ou nenhum saneamento. As tragédias se sucedem porque não há continuidade em qualquer política pública que, de fato, dote a cidade dos equipamentos necessários para garantir não apenas a moradia, mas a moradia de qualidade a todos os seus cidadãos. É preciso construir casas, sim, mas dotadas de esgoto, luz, água, ruas bem pavimentadas. É preciso desassorear rios e canais e, principalmente, limpar e educar a população para que ela faça a sua parte, pois sem a participação dos próprios habitantes não há qualquer política pública que resista.

Numa cidade onde a opção de crescimento tem sido subir o morro ou invadir o mar, já está mais do que na hora de criar políticas que levem isso em conta. O Japão está sob risco permanente de terremotos, assim como Santiago, como Los Angeles. E a cada vez que ocorre uma grande tragédia, as cidades e os governos tratam de investir em tecnologia que proporcione mais segurança. Aqui, ao contrário, após cada tragédia a primeira medida anunciada é o remanejamento dos locais de risco – leia-se, dos morros da cidade. Mas só dos morros favelizados, porque embora seja inegável que os ricos também se apossaram de encostas e áreas de proteção ambiental, não se fala dessas áreas.

Ou será que ninguém estranha que mesmo com as encostas totalmente ocupadas não se viu nem ouviu falar de desabamento de qualquer das mansões da Joatinga? Não que esses casarões estejam imunes de sofrer um deslizamento. O que acontece é que lá, quando não é o próprio poder público a dotar da infraestrutura necessária, são os moradores que tratam de investir na sua segurança.

Para a sociedade, a hora agora é de solidariedade com os milhares de desabrigados. Mas para o poder público, é hora de aprender definitivamente as lições do presente e investir para evitar que novas enchentes no futuro venham a se transformar em tamanha tragédia. E isso vai muito além de retirar os pobres das chamadas áreas de risco. Muitas ações já foram tomadas pelo governo federal e mesmo pela prefeitura do Rio no que diz respeito a melhorar as condições de habitação e de saneamento nas comunidades favelizadas. Que sejam não o começo, mas o indício seguro de que há efetivamente planejamento e execução de políticas públicas consequentes e duradouras.

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